sábado, 8 de novembro de 2008

Conceito de Território e implicações para a saúde e o desenvolvimento sustentável

Conceito de Território e implicações para a saúde e o desenvolvimento sustentável
Marise Helena de Araújo 1
Lia Giraldo da Silva Augusto2 . . .
“Quando a gente faz falar o território - que é um trabalho que creio que é o nosso, fazer falar o território, como os psicólogos fazem falar a alma, como o Darcy Ribeiro quis fazer falar o povo, como o Celso Furtado quis falar a economia-, o território também pode aparecer como uma voz... E uma boa parte dos brasileiros não se dá conta de que o país está cada vez mais sendo fragmentado, e numa fragmentação que não possibilita a reconstituição do todo... E talvez lhe falte descobrir qual é a lógica mais geral que permita a produção de um discurso novo. Primeiro acadêmico, quando possível também de mídia, e depois o discurso político”. MILTON SANTOS. Entrevista em Caros Amigos, nº. 17. São Paulo, agosto de 1998.
Para falar sobre território, é preciso [citar alguns autores de áreas diversas e] ver como o conceito toma formas diferentes conforme as concepções teóricas metodológicas de diferentes autores. Para Claude Raffestin (1993), (pioneiro na construção do conceito, território vem sempre precedido de espaço geográfico) o território inexiste sem o espaço, mas afirma que o espaço independe do território. É o homem quem territorializa o espaço. Dentro da concepção enfatizada pelo autor, o território é tratado, principalmente, com uma ênfase político-administrativa, isto é, como o território nacional, espaço físico onde se localiza uma nação; um espaço onde se delimita uma ordem jurídica e política; um espaço medido e marcado pela projeção do trabalho humano com suas linhas, limites e fronteiras. Segundo o mesmo autor:
[...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. (...) o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolvem, se inscreve num campo de poder [...] (RAFFESTIN, 1993, p. 144). Na análise do autor o território está relacionado ao poder político e por isto requer organização, logo, o território é um espaço (físico ou abstrato) organizado pelo homem em sociedade para atender as suas necessidades [exigência]. Para Rogério Haesbaert (2004) território pode ser classificado em três vertentes básicas: 1. A jurídica-política, segundo a qual “o território é visto como um espaço delimitado e controlado sobre o qual se exerce um determinado poder, especialmente o de caráter estatal”; 2. A cultural, que “prioriza dimensões simbólicas e mais subjetivas, o território visto fundamentalmente como produto da apropriação feita através do imaginário e/ou identidade social sobre o espaço”: 3. Econômica, “que destaca” a territorialização “em sua perspectiva material, como produto espacial do embate entre classes sociais e da relação capital-trabalho”. (HAESBAERT apud SPOSITO, 2004, p.18). E que nestas vertentes estão implicadas em três elementos que são:A. o territórios-zona, onde prevalece a lógica política; B. o território-rede, onde prevalece à lógica econômica. C. os aglomerados, onde ocorre uma lógica social de exclusão sócio-econômica das pessoas. ... esses três elementos não são mutuamente excludentes, mas integrados num mesmo conjunto de relações sócio-espaciais, ou seja, compõe efetivamente uma territorialidade ou uma espacialidade complexa, somente apreendida através da justaposição dessas três noções ou da construção de conceitos “híbridos” como o território-rede. (HAESBAERT, 2002, p. 38). Para Caio Prado Júnior (1987), território é sempre visto como palco dos acontecimentos econômicos e das transformações vivenciadas pela sociedade. Milton Santos (1985), grande geógrafo do pensamento crítico, a história dos homens em sociedade é que define como o território se organiza, ou seja, o território está configurado por sistemas econômicos, políticos e sociais historicamente condicionados. O território é uma construção social. Em cada momento histórico, o território muda seu papel e a sua posição no sistema, onde o seu significado deve ser reconhecido em função de sua relação com os demais e com o todo (SANTOS, 1985; SANTOS, 1996). Mendes et al (1994) apresentam duas correntes de pensamentos que apreendem e conceituam território de formas distintas. A primeira toma-o como um espaço físico completo e acabado, são os critérios geopolíticos que definem um território e denomina-o de território solo e é o que dá sustentação a visão topográfico-burocrática de distrito sanitário. O segundo é coerente com um conceito de processo, no qual o território está em permanente construção, produto de uma dinâmica social.. Neste conceito os conflitos fazem parte do processo de conformação do território. O território de um distrito sanitário é, pois, político, epidemiológico, cultural e econômico. Nele se exercita a hegemonia de modelos de políticas públicas, a exemplo da saúde pública e a tentativa de fazer cumprir seus princípios orientadores - da universalidade, da integralidade e da equidade - na atenção à saúde. Dentro de uma visão do planejamento o território de um Distrito Sanitário pode ser tipificado em: a) Território-Distrito: que obedece à lógica político-administrativa e pode coincidir com o espaço de um município ou com o espaço de subprefeituras, no caso de municípios maiores ou ainda em pequenos municípios, com os consórcios intermunicipais. A delimitação do Território-distrito é o planejamento urbano e o objetivo é o administrativo assistencial (macro-contexto). b) Território-Área: que corresponde à área de abrangência de uma unidade ambulatorial de saúde e é delimitado em função do fluxo e contra fluxo de trabalhadores de saúde e da população de um determinado território. A lógica de sua estruturação são as barreiras geográficas relacionadas à circulação. Território-Microárea, uma subdivisão do Território-Área é um espaço privilegiado para o enfrentamento de problemas específicos de saúde, pois, as ações são direcionadas aos nós críticos, identificados no contexto sócio-ambiental, com a intenção de intervir na promoção, proteção e recuperação da saúde. Território-Moradia: institui-se no espaço de vida de uma micro unidade social (família nuclear ou extensiva) é o lócus para o desencadeamento de ações de intervenção sobre os condicionantes de micro-contexto que afetam a saúde. Reconhecer as desigualdades existentes em cada território e buscar um sistema eqüitativo em saúde é um passo importante para aproximar ações específicas para cada problema elencado. Sendo assim para se definir um Distrito Sanitário, conceituado como processo social de mudança, é preciso considerar diferentes espaços territoriais que podem ser passíveis de mudança em seus limites pela construção de novos espaços territoriais.
Territorialização utilizada pela Secretaria Municipal de Saúde 1. Distritos Sanitários - correspondendo a uma região administrativa municipal.2. Área de abrangência - área de responsabilidade de uma unidade de saúde3. Micro-área de Risco – constituída por conglomerados de setores censitários e de perfil epidemiológico específico.4. Domicílio – possibilita a aproximação do usuário, favorece e prioriza ações de controle de saúde. A divisão do território, políticos-administrativos, previamente delimitados em distritos sanitários apresenta certas vantagens, especialmente possibilitando a integração do setor saúde com os responsáveis por outros setores, facilitando ações e fortalecendo vínculos intersetoriais. Os Distritos Sanitários são cenários onde se desenrolam ações de promoção, proteção e de recuperação da saúde, mediante serviços e programas com níveis distintos e hierarquizados segundo o grau de tecnologia agregada. Entender o espaço como um conjunto de lugares, resultado da integração de grupos sociais com seu entorno mais próximo (Monken, 1996) é fundamental. Segundo Milton Santos (1995), os lugares se constituem em uma resistência ao processo de homogeneização do espaço. Para ele o espaço é socialmente desenvolvido e rico de diversidades. A diversidade é fundamental para o desenvolvimento humano.
Leff*[1] define o ambiente como uma "visão das relações complexas e sinérgicas gerada pela articulação dos processos de ordem física, biológica, econômica, política e cultural".
Se, como sabemos, o homem é responsável pela inserção da cultura no espaço geográfico, ou seja, pela construção/estruturação/reestruturação do seu território em ambiente e habitat seria preciso, pensou-se por um tempo, crescimento e desenvolvimento mesmo que selvagem, era o suficiente para sustentar a humanidade para todo sempre (paradigma protestante), independente de seus meios e para suprir as necessidades da humanidade o homem domou a natureza explorou-a incansavelmente e só após a segunda guerra é que começou a se conscientizar que os recursos naturais eram finitos.
A palavra desenvolvimento significa evolução, mudança no presente enquanto que sustentável significa, no caso, proteção e compromisso em evitar a ruína destas condições no presente e no futuro. (Munn. 1992). O desenvolvimento sustentável é o reconhecimento da necessidade de mudança no modelo de desenvolvimento atual das sociedades, dos ambientes e da saúde das populações.
A discussão em torno do desenvolvimento e do ambiente vem constituindo uma nova forma de pensar e um repensar nos fundamentos da ética, cultura, científico, econômico e social criando assim novos paradigmas conceituais, políticos e institucionais. Diversas agendas vem sendo construidas nacional e internacionalmente, de forma conflitante, mas que abrem espaços para a construção de processos sustentáveis de desenvolvimento.
Toda esse movimento tem como conseqüência uma cultura onde o homem sinta prazer em preservar e promover mudanças que com o passar do tempo se interiorizarão no seu espírito de tal forma que suas ações se tornarão harmônicas, integradas com a natureza.
O homem passaria a ver de forma holística e sistêmica toda problemática ecológica. Reencontrar-se-ia com a natureza e se veria um ser da natureza.
A construção de um novo mundo, mais integrado, mais humano vem contribuindo com práticas intersetoriais, interdisciplinares e participativas (ecossistêmica) no campo da saúde coletiva.
A tríade saúde, ambiente e desenvolvimento formam uma conexão que deve ser contemplada pela saúde pública ao introduzir o conceito de ambiente socialmente construído, onde se considera todo o conjunto de componentes materiais, paisagens e seres vivos. (Porto 1998).
A nossa Constituição Federal de 1988, art. 225, assegura, para todos os cidadãos do Brasil, os direitos a um ambiente saudável. O saneamento, a habitação, lazer e educação, também fazem parte dessa condição para o desenvolvimento.
Referências Bibliográficas
ABRASCO, Saúde e Ambiente no processo de desenvolvimento. Revista Brasileira de Epidemiologia Vol. 03 (2) 2003
AUGUSTO LGS; CARNEIRO, RM; MARTINS PH. Abordagem Ecossistêmica em Saúde, ensaios para o controle do dengue. Ed. Universitária da UFPE, 2005.
MENDES, EV & al. Distrito sanitário, segunda edição. HUCITEC-ABRASCO, São Paulo, 1994.
PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE. Texto capturado da internet http://www.recife.pe.gov.br/ em 12.06.2006.
SANTOS, M. Por uma outra globalização. Ed. Record 2000.

SANTOS, M. A Natureza do Espaço, EDUSP São Paulo, 2002.


EXERCÍCIO
1. Exemplifique diferenças entre espaço e território.2. Segundo o texto, como o espaço de desenvolvimento humano é construído?3. Como o conceito de território pode ser útil no planejamento das ações de saúde?


1 Marise Helena de Araújo, Professora de biologia, sanitarista, preceptora de ensino da FCM-UPE do módulo APS I.
2 Lia Giraldo da Silva Augusto, Pesquisadora, Médica, Professora Adjunta, coordenadora do Módulo APS1.
[1] Enrique Leff, doutor em Economia do Desenvolvimento pela Sorbonne, 1986 coordena a Rede de Formação Ambiental para a América Latina e o Caribe, do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).

Um comentário:

Unknown disse...

ADOREI o texto!!! Obrigada!!!